quarta-feira, 11 de maio de 2011

Esvaziando...

"Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele". Adriana Falcão

Para que servem os chás senão para esvaziar (a mente ou a chaleira)?
Sei que às vezes encho, preencho, completo, mas sobretudo, esvazio.
E hoje eu quero esvaziar.

Quando nasci olhei em volta e chorei. Vi que tinha algo errado, algo fora do lugar.
Não me lembro na verdade, mas suponho que tenha acontecido assim.
E desde então me incomodo, eu olho o tudo, e tudo me inquieta.

Longe de mim criticar obra tão perfeita do Engenheiro do Mundo, na verdade nós é que não entendemos o "espírito da coisa".
Como dar tinta guache a uma criança e ao invés de pintar ela comer.
É comum, mas não é natural.

Eu vejo gente reclamando de comida, sem lembrar de quem não tem o que comer.

Vejo gente dando prazo pra saúde.
Senhor secretário, um órgão do seu corpo não vai funcionar por uma semana, mas não se preocupe, depois tudo se regularizará. Desculpe-nos o transtorno, problemas de licitação.

Tem gente esmurrando porta por cinco minutos.
Se o motorista corre, é louco. Se demora, é inútil.
Cinco minutos são cruciais pra você?
Reduza seu banho em cinco minutos, acorde cinco minutos antes, escute cinco minutos, silencie cinco minutos, pense cinco minutos, ESPERE cinco minutos.

Se pergunto qual a frase de motivação do dia, logo ouço o negativo e irônico: querer não é poder.
Em contrapartida escrevo: querer não é poder, mas é o primeiro passo.
E eu quero, como eu quero...

Eu olho com esse meu olhar míope e já me sinto cega, porque não entendo.

Tudo é tão líquido, amor líquido, vínculos líquidos, verdade líquida, sociedade de massa.
Incomodados, retirem-se. Incomodados, acomodem-se.
Relativizem-se.
O que restou de sólido?
Ah, mas eu não vou liquidificar...

Eu venho de um lugar diferente, uma sociedade sólida, onde o amor, o amar, o pensar, o agir, os vínculos e a VERDADE são firmes, são raízes.
Lá a unidade não massifica nem conduz ao espírito de escravidão.
A magnanimidade está escrita nos portões desta terra, e tudo que é medíocre é abominável.

Perdoe minha falta de paciência ou compreensão, mas não se aproxime com esse negativismo.

Se você prefere enxergar defeitos, eu quero as qualidades, quero ser Pollyana.
Se você quer o caminho curto, eu quero o caminho certo, caminhos que levam aonde quero chegar.
Se você se basta, eu quero vínculos. Quero ser feliz desde as três da tarde se vens as quatro, quero cativar. 
Se você não acredita nesta causa, eu vivo e morro por ela.

Eu não vou me acomodar com o que incomoda, não vou deixar de sonhar, de querer, de lutar, de viver, de amar, de ser o que sou e também de mudar. 
Isso é porque EU QUERO. E querer...É o primeiro passo!

sábado, 7 de maio de 2011

Eu sempre vou lembrar do seu chá de alecrim...

"A mãe compreende até os filhos que não dizem". Textos Judaicos

Eu sei que vou chorar.

Eu lembro quando você disse que daria seu dedo mínimo em troca da minha saúde; e depois corrigindo-se do pequeno sacrifício disse que não, que trocaria a parte de você por esta parte de mim que não funciona.
E esta parte com defeito, que herdei de você junto com todas as qualidades e partes que funcionam perfeitamente, me colocou em seus braços tantas vezes... Para ninar, acalmar um pranto, inconsciente, quase partindo, mas resolvi ficar para não te fazer sofrer.

Quantas e quantas vezes abriu mão dos seus sonhos pelos meus...Aquela roupa, aquela viagem, a faculdade.
Nós filhos esquecemos que vocês também têm sonhos.

Esperou o caçula criar barba para voltar a sonhar, mas nunca deixou de sonhar nossos sonhos...


Quantas coisas te escondi, acho que para não te envergonhar, pois não era um gênio da matemática, a pessoa mais correta, o orgulho da família... Você sempre soube tudo, conhecia meu olhar, minha voz, meu respirar.
Eu só queria te poupar, como você também me poupou...

Eu lembro e sempre vou lembrar do seu chá de alecrim, de quando dizia que não ía arder porque era mercúrio e não merthiolate, de quando escondi seus cigarros pra não ficar doente, quando ficava a missa toda agoniada porque parecia que eu estava passando mal no coro infantil (acho que eu cantava mal mesmo), dos carinhos disfarçados de massagem,  de quando ligava para todas as minhas amigas pra saber onde eu estava (menos no telefone que eu tinha deixado na porta da geladeira), tantos quandos...

Eu parei de fazer presentes de papel e cola, cartões coloridos e faixas dizendo que te amo; nós filhos quando crescemos temos esse problema com "eu te amo". Ainda bem que vocês entendem o que a gente não diz...

Você é assim, meio fora do padrão; tem um corpo mais bonito que o meu e quer usar minhas roupas, gosta até de música eletrônica, é mais piadista que eu (e o alvo sou eu), mulher independente, trabalhadora, assume que investiu em uma bolsa linda, mas não pagou as contas...Mau-humorada de manhã, curiosa, sensível, altruísta, preocupada e desesperada, preguiçosa, linda e, enfim, A MELHOR.

E agora que estou longe sinto que estive ausente quando estava perto. Se posso me fazer presente nessa saudade crônica que vivemos, tenha certeza de que estou aí... Aquela criança com os dentes separados, um vestido vermelho, a franja meio torta, a sandália da Xuxa e um cartão dizendo como é grande o meu amor por você.

Um dia eu vou sonhar os seus sonhos...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Violão de doze cordas

"Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música". Aldous Huxley

Quando nascemos, antes mesmo de abrir os olhos entoamos nosso cântico de estréia. O choro, um pouco desafinado, é a música de entrada na vida.
Ao partir, já sem forças para cantar, o trompete canta, grita alto a música de adeus, afinado e fúnebre.

A música é um canal de comunicação, primeiramente horizontal, entre nós mortais, e vertical, pois possui a capacidade de conduzir ao divino e assim imortalizar-se. Platão defendia que algumas combinações musicais elevavam e outras animalizavam o homem.
Não há conhecimento de povos que não possuam manifestações musicais, seja para demonstrar sua força nas guerras ou sua alegria nas festas. A humanidade sempre encontrou na música a melhor forma de transparecer o mundo intangível dos sentimentos, assim tornou-se uma espécie de materialização da alma.

Lembrar de uma música nunca é apenas lembrar de uma combinação de sons, mas de épocas, sentimentos, histórias, sabores, cheiros, gestos...

Saber ouvir uma música é algo especial, mas construir, lapidar uma música é sublime.
Notas, acordes, tempo, compasso, pausa.
Grave, Largo, Lento, Adagio, Andante, Moderato, Allegretto, Allegro, Vivace, Presto, Prestissimo!

De todos os elementos, gosto da pausa. Ironicamente, silêncio é música.

Não sou musicista, a vida me escolheu e me brindou com alguma habilidade.
Há dez anos que as cordas me amarraram, quando tomo o violão junto ao corpo ele é parte de mim. Depois vem a arte de incorporar o sentimento de quem criou a música, letra e melodia, ou ainda materializar meus próprios sentimentos.

O músico faz com os sons o que o poeta faz com as palavras, ambos são amantes da instrospecção, dos momentos que partilham somente com seus instrumentos, violão ou caneta.
Leminski disse "...acordei bemol, tudo estava sustenido...". Não basta ter conhecimento musical para entender esta frase, é preciso viver a música. Bemol e sustenido na matemática musical são a mesma coisa, mas não para nós que provamos o outro lado da música. Se ele dissesse "...acordei meio para baixo, tudo estava meio para cima..." não seria poesia...

Harmonia é um elemento musical, é a combinação dos sons que formam um acorde. O músico ordena seus caóticos sentimentos por meio da criação musical, dá harmonia, materializa.

Se eu não posso chorar, eu busco a arte da música. Choro nos meus acordes, fico só com meus solos.
Se meus sentimentos são intangíveis, impossíveis e improváveis dou harmonia, realidade, vida.
Esse aço me mantém firme, machuca meus dedos, mas presenteia um som aberto, forte...Colérico.
Esse nylon me torna flexível, é delicado às mãos e aos ouvidos, cede, tem um som abafado, suave, doce... Melancólico.

Acho que sou um violão de doze cordas, metade aço, metade nylon.


Homenagem à pessoa que irá compreender profundamente este post.